quinta-feira, 21 de agosto de 2008
O DIA SEM DIA - Renato Muniz B. de Carvalho
Como tem data comemorativa no mundo! Calendários para todos os gostos. Efemérides, para usar uma palavra chique, adequadas a qualquer necessidade ou tendência, para não deixar ninguém de fora. São tantas as datas comemorativas que professores, políticos, estudantes, principalmente comerciantes, não ficam sem as suas, sem seus dias para inserir na folhinha, para aumentar ou baixar preços, para fazer uma liquidação ou promoção, para anotar na agenda, para levar os alunos para o pátio e hastear uma bandeira, para ditar um tema de redação ou registrar no diário. É tanto dia disso, dia daquilo e dia sem isso ou aquilo que achei melhor propor o dia sem dia. Isso mesmo: um dia sem dia, sem nada a comemorar. Um dia sem nada para venerar, sem pensar no passado, sem reverenciar os grandes feitos de heróis, geralmente uns caras que morreram muito cedo ou que mataram um monte de gente. Um dia para pensar no futuro que, como não aconteceu ainda, não precisa exaltar ninguém, não precisa se comprometer com nada. Isso significa não excluir nenhuma pessoa, ou etnia, ou escolha política e sexual, porque o futuro será uma incógnita, será moldado de acordo com as possibilidades, de acordo com nossos desejos e nossas capacidades.Um dia sem dia será o melhor dia. Será um dia normal, um dia para dormir até mais tarde, sem hora para acordar, sem compromissos, sem parada, sem fanfarra, sem alvorada estridente, sem agenda. Será apenas mais um dia, um dia comum, ensolarado ou chuvoso, pouco importa. Um dia calmo, sem os atropelos do dia-a-dia.Um dia sem data comemorativa ou compromisso será um dia em que não precisaremos comparecer nas agências bancárias, não será preciso pagar as contas, nem se preocupar com o saldo devedor. Não será preciso engolir com pressa o café da manhã, nem almoçar correndo. Podemos chamar os amigos para uma conversa fiada, em que todos os assuntos serão tratados, afinal não há um único tema, uma obrigação a relatar, um contexto a discutir. Poder-se-á falar de política, de futebol, da pátria, sem culpa, sem a paixão pelas derrotas e vitórias, coletivas ou pessoais, sem medo ou vergonha. Tudo isso porque não existirão referências, não precisaremos de parâmetros a nos indicar caminhos, exemplos, modelos a seguir. Num dia sem data pode-se incluir o que cada um quiser no menu da vida. Nas escolas os alunos poderão exercer seu livre poder de criação e não ficarão presos aos temas manjados de redação, poderão criar os desenhos mais incríveis e bonitos que desejarem, sem necessidade de se limitarem aos contornos rígidos de figuras prontas. Poderão cantar as mais diferentes e maravilhosas músicas que os seres humanos já criaram, e até imitar os animais se assim se sentirem bem. Não serão repreendidos por isso, porque não há regras a serem obedecidas no dia sem dia. Os restaurantes poderão inventar pratos exóticos, poderão mexer nos cardápios, poderão convidar os fregueses a conhecer suas cozinhas e pedir sugestões de pratos e receitas. A programação das estações de rádio e televisão ficará a critério de cada ouvinte ou telespectador, podendo-se mesmo desligar tudo e curtir o silêncio.Para este dia teremos a crônica pagã, a crônica sem tema, sem preocupações, sem moral. Neste dia escreverei a crônica válida para quaisquer circunstâncias, a crônica eterna.
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Charge do Toninho
"AQUILO QUE NÃO PODES CONSERVAR NÃO TE PERTENCE"
Excelente frase divulgada na coluna FALANDO SÉRIO de Wellington Ramos do JM. Espero que muitos ruralistas e políticos a tenham lido.
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