quinta-feira, 14 de agosto de 2008

A LAGARTIXA DA BIBLIOTECA - Renato Muniz

Minha biblioteca anda parecida com um zoológico. Nos últimos tempos já passou por aqui um morcego, que gostava de ler, uma traça, que felizmente só comia roupas, e, agora, uma lagartixa doméstica.
Pequena, esbranquiçada, silenciosa, só fica me observando e nem abana o rabinho. Como sou muito maior do que ela, logo vi que o bichinho ficou muito assustado, temendo por sua integridade física, com medo que eu lhe desse uma vassourada. Eu não faria isso, jamais. No começo ficamos um tempo olhando um para o outro. No que ela estava pensando eu não sei. Logo me pus a imaginar quais seriam suas escolhas literárias: romances? Contos? Poesia? Literatura estrangeira ou nacional? Assuntos acadêmicos?
Minha primeira reação foi de alguém incomodado, invadido na sua privacidade, afinal eu não a convidei, ela entrou de atrevida. O que fazer para ela se retirar? Dizer que foi um prazer conhecê-la, agradecer a visita e abrir-lhe a porta da rua? Não adiantaria, mesmo com a maior gentileza. Conversar sobre literatura? Hoje em dia anda tão difícil encontrar um bom papo, alguém que goste de conversar desinteressadamente, sem pressa, com sabedoria e humildade suficiente para não constranger o interlocutor. Às vezes, me sinto desatualizado, percebo que os jornais e revistas são muito tendenciosos em todos os assuntos. Uma lagartixa, vinda sei lá de onde, poderia me trazer alguma informação nova, contribuir com alguma crítica interessante.
Estava pensando nessas coisas quando levei um susto danado: conversar com uma lagartixa? Será que a falta de um ambiente intelectual mais diversificado, a carência de idéias novas e a ausência de um cenário mais propício à criatividade já me conduziam ao delírio? Induziam-me ao desespero, a ponto de tentar um diálogo com uma lagartixa? Pelo menos, dizem que elas trazem prosperidade, significam boa sorte. Ando precisando.
Como ela não se movia, peguei um livro de zoologia na estante e fui investigar sua vida. Parece que seus antepassados vieram da África, nos navios negreiros. Apurei que elas são parentes distantes das tartarugas e dos jacarés, não transmitem doenças e não costumam freqüentar lugares contaminados. Bichinho simpático, não?
Não gosto de emprestar livros, mas se ela escolheu freqüentar minha biblioteca, que fique, desde que não estrague e não leve nada embora. Se quiser ler alguma coisa que seja aqui. Pode ligar a luminária, abrir a cortina, escolher onde se sentar, mas não pode sujar os livros. Acho que não é de seu feitio. Não vou recomendar que não coma aqui porque li sobre seus hábitos, ela se alimenta de insetos e assim pode até ajudar em alguma coisa. Logo penso em lhe oferecer morada fixa, sem precisar se preocupar com taxa de condomínio, água, luz e telefone. Pensando bem, acho que num jardim ela se sentiria melhor, mas a escolha é dela. Sei que ela não vai se demorar, que vai embora sem dizer adeus e vou ficar novamente só, com minhas idéias e elucubrações, esperando que um dia ela volte e nós dois possamos conversar um pouco mais sobre as novas tendências literárias, sobre os novos autores africanos, sobre os latino-americanos e sobre a última postagem do Bibliotecário de Babel.

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Charge do Toninho

Charge do Toninho

"AQUILO QUE NÃO PODES CONSERVAR NÃO TE PERTENCE"

Excelente frase divulgada na coluna FALANDO SÉRIO de Wellington Ramos do JM. Espero que muitos ruralistas e políticos a tenham lido.