sábado, 25 de agosto de 2012

A história do "Código" florestal brasileiro por Eng. Agr. ALCEO MAGNANINI (um dos autores da lei, ainda vivo)

A história da Lei Federal n° 4.771/1965 ("Código" florestal brasileiro)

Qua, 17/Fev/2010 01:39

Eng. Agr. ALCEO MAGNANINI

Em 2005, atendendo ao honroso convite da Desembargadora Maria Collares Felipe da Conceição para comparecer ao Fórum Permanente de Debates da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), na qualidade de um dos autores (possivelmente o último ainda vivo, com certeza o único ainda oficialmente ativo) da Lei Florestal que completava os seus quarenta anos de vigência na metade da minha própria idade, fui surpreendido com a distinção de compor a mesa e abrir os trabalhos, com algumas palavras que informassem aos distintos participantes sobre o que acontecera quase meio século atrás. Tive assim a oportunidade de apresentar o meu testemunho ocular que, embora autoral, poderia ser apenas considerado como prova circunstancial.

Atendendo agora a outro convite da EMERJ, que considero altamente dignificante, pretendo aqui apresentar, por escrito, provas mais qualificadas que as lembranças que me tinham vindo anteriormente à memória.

Antes de tudo, a Lei Federal nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, foi, e é, uma Lei especificamente florestal, e não pode ser considerada Código Florestal (o que, neste caso, significaria uma consolidação de diversos dispositivos legisladores sobre florestas).

Alguns fatos que ocorreram no passado, a bem da verdade histórica, certamente merecem ser recuperados e avaliados. Essa é a minha intenção ao expor os fatos.

O primeiro fato é que tudo já tinha começado em 1961, quando foi Instituído o Grupo de Trabalho para elaboração da Lei Florestal, criado pelo Memorando Presidencial G.P. M. A. nº 42, de 5 de abril de 1961, que ratificou a Preposição nº 4, do Senhor Governador do Estado de São Paulo, aprovada na 4ª Reunião de Governadores realizada no Estado da Guanabara.

O segundo fato é que o Grupo de Trabalho instituído tinha a seguinte composição:

Osny Duarte Pereira, Advogado, Magistrado do Estado da Guanabara e autoridade mundialmente reconhecida em direito florestal (Presidente e Coordenador do Grupo de Trabalho);

Adelmy Cabral Neiva, Advogado, Professor de Direito Internacional Público e Direito Comparado e Procurador do Instituto Nacional de Imigração e Colonização;

Bernardo Pain, Advogado e Consultor Jurídico Substituto da Consultoria Jurídica do Ministério da Agricultura;

Alceo Magnanini, Engenheiro Agrônomo, Botânico do Ministério da Agricultura e Chefe do Setor de Ecologia Florestal do Centro de Pesquisas Florestais e Conservação da Natureza do Estado da Guanabara e Conselheiro do Conselho Florestal Federal;

Roberto de Mello Alvarenga, Diretor do Serviço Florestal e Vice-Presidente do Conselho Florestal do Estado de São Paulo;

Henrique Pimenta Veloso, Engenheiro Agrônomo do Ministério da Saúde e Chefe da Secção de Ecologia do Instituto Oswaldo Cruz.

O terceiro fato é que, as atividades do Grupo de Trabalho foram interrompidas quando aconteceu a inesperada renúncia do Presidente Jânio Quadros e somente foram reiniciadas em 1962, quando o Ministro da Agricultura considerou indispensável o seu prosseguimento com os mesmos Componentes, acrescido apenas da colaboração do Eng. Agr. Victor Abdennur Farah, então Presidente do Conselho Florestal Federal.

O quarto fato é que, sob a coordenação altamente competente do Desembargador Osny Duarte Pereira, o Grupo de Trabalho concordou que cada dispositivo em estudo seria analisado por cada um e por todos os membros do Grupo e que estes poderiam proceder às consultas que julgassem necessárias com colegas, amigos ou conhecidos, fora do Grupo.

O quinto fato é que foi decidido que o texto de cada dispositivo a ser aprovado só poderia sê-lo por unanimidade de votação de todos os membros; portanto a menor discordância representaria veto e acarretaria novo estudo e novo julgamento. Isto, naturalmente, aconteceu frequentemente e sobrecarregou o trabalho de todos com demorados e exaustivos debates, mas o resultado final foi ineditamente positivo.

O sexto fato é que o projeto de lei não foi apenas o resultado do trabalho de alguns tecnocratas (como muitas vezes ouvi e ouço, divertido, falar ainda hoje em dia), mas sim foi o produto de um esforço sério e dedicado de mais de dois anos de estudos e reuniões que abrangeram, sinteticamente, os pareceres de dezenas de especialistas e as opiniões de dezenas de interessados em matéria florestal, bem como as analises da legislação e direito florestais de outros paises.

O sétimo fato é que, além disso, o Congresso Nacional, em Brasília, examinou longamente a proposta do projeto da lei, nele introduzindo pequenas alterações, tanto que foi somente em 15 de setembro de 1965, que o Presidente da Republica, Humberto de Allencar Castello Branco, assinou o texto final da Lei Florestal que colocou o Brasil entre os países possuidores da mais avançada legislação florestal, posição ocupada até hoje.

Com o propósito de possibilitar o acesso a informações que talvez possam auxiliar nas tentativas de aperfeiçoamento da legislação ambiental (que tanto estão em moda atualmente sob alegações as mais diversas, inclusive aquelas não-confessas), e apenas para maior esclarecimento do que aconteceu, suponho que seja útil dispor do conteúdo da modelar Exposição de Motivos que o Ministro da Agricultura Armando Monteiro Filho encaminhou em fins de 1962 ao Primeiro Ministro do Brasil sobre o Anteprojeto de Lei Florestal, com base no relatório do Grupo de Trabalho que reativara.

Os estudiosos nela ainda poderão encontrar motivos, razões e idéias que interessem, mesmo porque ela representou, in totum, o pensamento comum de juristas, especialistas florestais e instituições sobre os problemas ambientais

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS (1)

“Excelentíssimo Senhor Presidente do Conselho de Ministros.

Há um clamor nacional contra o descaso em que se encontra o problema florestal no Brasil, gerando calamidades cada vez mais graves e mais nocivas à economia do país. A agricultura itinerante continua se desenvolvendo segundo os métodos primitivos dos primeiros anos do descobrimento. Chega o agricultor, derruba e queima as matas, sem indagar se elas são necessárias à conservação da feracidade do solo ou do regime das águas. Depois de alguns anos de exploração, renovando anualmente a queimada, como meio de extinguir a vegetação invasora, o terreno esgotado é entregue ao abandono e o agricultor, seguindo as pegadas do madeireiro que adiante derrubou as árvores para extrair as toras, inicia novo ciclo devastador idêntico ao precedente. Como efeito disto, a agricultura cada vez se interioriza mais e cada vez se distancia mais dos centros consumidores, requerendo transportes sempre mais caros. As margens dos rios são devastadas e os desbarrancamentos sucedem-se, oferecendo perigos sempre maiores à navegação. Hoje, todos os rios do Brasil, inclusive o Amazonas, estão necessitando de dispendiosas dragagens. Muitos rios estão secando e tornam-se já inservíveis ao tráfego fluvial, suas barras enchem-se de bancos de areia e lama deixando os portos imprestáveis. Inundações cada vez mais destruidoras, pela remoção desordenada de florestas, colocam em sobressalto as populações de centenas de cidades ribeirinhas.

Os desmatamentos nos mananciais vão transformando os campos em solos pobres e com produtividade cada vez menor. O cotejo da produtividade das zonas litorâneas, com as áreas de florestas virgens, oferece um desnível estarrecedor. Comparados com os de solos explorados secularmente em outros países, nossos números são melancolicamente baixos. A pobreza e a ignorância das populações de interior não admitem que reparem o desgaste do solo, mediante o emprego de adubos e de práticas conservacionistas. Daí resulta que cada ano o agricultor trabalha mais, para retirar menos do solo. Principia, por aí, a substituição intensiva de lavouras por pastagens pobres, acarretando uma alarmante perda de substância no incremento da agricultura, relativamente à taxa de crescimento demográfico.

Paralelamente, pois, ao problema agrário decorrente da estrutura arcaica da economia rural, agrava-se o problema da produção agrícola, como efeito imediato do uso indisciplinado e caótico das terras florestadas .

Urge, pois, a elaboração de uma lei objetiva, fácil de ser entendida e mais fácil ainda de ser aplicada, capaz de mobilizar a opinião pública nacional para encarar corretamente o tratamento da floresta .

Tendo em conta este quadro, surgiu a compreensão da necessidade de atualizar-se e de dar, ao Código Florestal, as características de lei adequada exigida por panorama tão dramático .

Confiou-se a importante tarefa a um Grupo de Trabalho, integrado pelos seguintes membros: Osny Duarte Pereira, Magistrado do Estado da Guanabara e Presidente do Grupo de Trabalho; Adelmy Cabral Neiva, Professor de Direito Internacional Público e Direito Comparado e Procurador 1a Categoria do Instituto Nacional de Imigração e Colonização; Bernardo Pain, Advogado e Consultor Jurídico Substituto do Ministério da Agricultura; Alceo Magnanini, Engenheiro Agrônomo, Botânico do Ministério da Agricultura e Chefe do Setor de Ecologia Florestal do Centro de Pesquisas Florestais e Conservação da Natureza do Estado da Guanabara; Roberto de Mello Alvarenga, Diretor do Serviço Florestal e Vice-Presidente do Conselho Florestal do Estado de São Paulo; Henrique Pimenta Veloso, Engenheiro Agrônomo do Ministério da Saúde e Chefe da Secção de Ecologia do Instituto Oswaldo Cruz. Instituído em virtude de proposta do Grupo de Trabalho, foi criado pelo Memorando Presidencial G.P. / M. A. número 42, de 5 de abril de 1961, ratificando a preposição número 4 do Senhor Governador do Estado de São Paulo, aprovada na 4a. Reunião de Governadores realizada no Estado da Guanabara e, em meio de seus trabalhos, ocorrida renúncia do Presidente Jânio Quadros, considerou-se dissolvida, até que considerei indispensável o seu prosseguimento com os mesmos Componentes, acrescido apenas da colaboração do Dr. Victor Abdennur Farah, Presidente do Conselho Florestal Federal.

O anteprojeto oferecido é fruto de trabalho dos diversos membros que compõem o dito Grupo e que, principiando por pontos de vista divergentes, após prolongados debates e exames, atingiram a unanimidade.

Preparado um esboço, pelo Grupo de Trabalho foi-me solicitado que o submetesse à apreciação pública para receber sugestões. Resolvi por isso promover um Encontro Nacional de técnicos, realizado no Rio de Janeiro, em 4 de abril de 1962. Compareceram representantes de serviços florestais, de Autarquias e de empresas privadas de numerosos Estados e estudiosos da matéria. É auspicioso assinalar que, embora em quantidade substancial, as emendas sugeridas eram quase todas sobre matéria de forma e na maioria abordando apenas termos de redação. As inovações básicas trazidas pelo anteprojeto foram aceitas pelos que enviaram sugestões. No mesmo sentido eram os comentários aparecidos na imprensa .

O Grupo de Trabalho acolheu dezenas de modificações propostas, como se poderá ver confrontando o esboço com o anteprojeto, agora oferecido. Muitas, porém, não puderam ser aceitas, seja porque reclamavam severidade, benefícios fiscais, ou atribuições administrativas, em conflito com o texto da Constituição, seja por envolverem matéria que melhor estaria se disciplinada em regulamento, seja por pretenderem uma liberalidade para certos setores que representaria uma brecha nos objetivos da nova Lei, seja porque preconizavam poderes perigosos para autoridades florestais, expondo-as a pressões excusáveis.

O anteprojeto compõe-se de 39 artigos, enquanto que o Código Florestal continha 110. Estão assim agrupados: -Das Formas de Vegetação que não podem ser removidas; -Da Utilização das Florestas; -Do Reflorestamento e das Reservas Florestais; -Da Guarda e Fiscalização das Florestas; -Das Disposições Penais e Processuais; -Disposições Estimulativas, Tributárias e Educacionais; -Disposições Finais.

O anteprojeto oferece as seguintes alterações relativamente ao Código Florestal em vigor:

a) Quanto às formas de vegetação que não podem ser removidas:

I - Aboliu as diferentes categorias de florestas, subjetivamente estabelecidas e que, inclusive, não constam de nenhuma outra legislação estrangeira, servindo apenas para dificultar o conhecimento do Código Florestal pelo povo. O presente Anteprojeto disciplina as florestas que não podem ser removidas, seja por sua função hidrogeológica ou ante-erosiva, seja como fonte de abastecimento de madeira. Nada mais. Nenhuma classificação .
II - Ao contrário do Código vigente que faz depender a existência de floresta protetora de um decreto que não pode ser baixado, com a eficácia necessária, dadas as morosas tramitações burocráticas, o Anteprojeto é, por si mesmo, a lei nacional declaratória de todas as florestas que são necessárias, ou seja, das florestas de preservação permanente. O Anteprojeto indica minuciosamente as formas de vegetação que não poderão ser removidas, não necessitando de nenhum decreto posterior para declarar sua imprescindibilidade, onde se encontrem. Basta que o leitor da lei a confronte com a natureza, para ver se está diante de uma floresta indispensável, ou se a mata poderá ser removida, sem nenhum prejuízo para a terra.
III - A Constituição Federal condiciona o uso da propriedade ao bem-estar social (art. 147). Com base neste princípio, as leis estabelecem gabaritos, áreas de ventilação, tetos de aluguéis e uma série de restrições ao uso da propriedade, sem qualquer indenização aos proprietários. Ora, se o Poder Político pode criar restrições ao uso da propriedade, que dizer daquelas restrições que são impostas pela própria natureza, antes da existência daquele Poder?

Assim como certas matas seguram pedras que ameaçam rolar, outras protegem fontes que poderiam secar, outras conservam o calado de um rio que poderia deixar de ser navegável, etc. São restrições impostas pela própria natureza ao uso da terra, ditadas pelo bem-estar social. Raciocinando deste modo os legisladores florestais do mundo inteiro vêm limitando o uso da terra, sem cogitar de qualquer desapropriação para impor essas restrições ao uso. Fixam-nas em suas leis, como um vinculo imposto pela natureza e que a lei nada mais fez do que declará-lo existente.

O Anteprojeto seguiu a regra internacionalmente aceita. A função protetora da floresta não é restrição indenizável, mas decorrência da própria natureza que preparou terras mais úteis e outras menos. É como se uma lei declarasse que as terras roxas podem produzir café. A lei que considera de preservação permanente as matas nas margens de um rio está apenas dizendo, mutatis mutandi, que um pantanal não é terreno adequado para plantar café. Com esse entendimento foi elaborado o Anteprojeto, eliminando a controvérsia sobre esta matéria que o Código atual suscita e que tantas dificuldades tem criado para exigir-se a permanência das florestas necessárias.

O dilema é este: ou impõe-se a todos os donos de terras defenderem à sua custa a produtividade do solo, contra a erosão terrível e crescente, ou cruzam-se os braços, ante a incapacidade, pela pobreza do Poder Público, na maioria dos Estados do Brasil, para deter a transformação do País num deserto, em que as estações se alternem entre inundações e secas, devoradoras de todo o esforço humano.

Vê-se, pois, que o Anteprojeto, sem os inconvenientes burocráticos do “vincolo forestale” italiano, introduz na legislação brasileira a mesma construção jurídica ideada pelos tratadistas peninsulares.

IV - Todavia, o Anteprojeto não se encerrou em nenhuma esfera hermética. Abriu ao Poder Público a possibilidade de derrubar florestas permanentes em áreas previamente fixadas, quando for necessária a execução, por órgãos oficiais, de trabalhos de utilidade pública, inclusive quando o abastecimento da região não se puder fazer sem aproveitamento de terras marginais, e desde que não prejudiquem a proteção das barrancas. Será o interesse público julgado pelo Poder Público e com a responsabilidade da cúpula do Poder .

V - Recomendou aos Poderes Públicos a formação de parques e de florestas, inclusive para o reflorestamento pela regeneração natural e, nos planos de loteamento e de reforma agrária, a exclusão das mãos de particulares das áreas florestadas de preservação permanente, bem como as necessárias ao abastecimento de madeiras, de modo a livrar os mesmos particulares desse ônus e atribuindo ao Estado o encargo da conservação.
b) Quanto a utilização das florestas:
O Anteprojeto concisamente apresenta as normas de uso das áreas florestadas, assim :

I - Nas áreas de inclinação entre 25° e 45° só será permitida a utilização racional. Como medida contra a erosão, exclui o corte raso e as devastações.

II - O Anteprojeto trata de seguir, também uma orientação realista em relação ao emprego de fogo. O ideal seria a abolição das queimadas, como está no Código atual. Entretanto, a excessiva pobreza de certas regiões, onde os lavradores não podem pensar no emprego de máquinas e devem valer-se de fogo, como instrumento de amanho do terreno, fez o Anteprojeto atender à realidade nacional e transferir para o critério do legislador estadual a escolha da melhor solução. Alguns Estados, como por exemplo, o do Rio Grande do Sul, são pela recusa completa do emprego do fogo. Outros, porém, não podem prescindir do fogo no preparo da terra. A solução será entregar ao Poder Executivo Federal e Estadual a responsabilidade da matéria em seus territórios, com a obrigação, porém, de delimitar as áreas as normas de precaução.

III - O uso para lenha e carvão, das matas não plantadas, e o corte limitado em florestas de preservação permanente também reclamarão ato especial do Poder Público, atendendo a peculiaridades locais. Isto decorre da impossibilidade de legislar uniformemente para todo o País. Normas adequadas à região sul podem não servir para a bacia amazônica. Severidades necessárias no Nordeste e no Estado do Rio não se justificariam em regiões de Mato Grosso e de Goiás.

IV - Entretanto, os limites mínimos de preservação permanente fixados na norma legal não excluirão medidas mais drásticas quando o Poder Público Federal ou o Estadual considerarem insuficientes, na região, os preceitos comuns. O Anteprojeto obriga a elasticidade exigida pelo progresso da ciência, de modo a que a técnica não seja tolhida pela rigidez da Lei .

c) Do reflorestamento e das reservas florestais:

I - Até aqui, o madeireiro tem extraído as árvores adultas e em seguida o lavrador ateia fogo ao que resta, processando-se a agricultura itinerante, em que o homem procede devastadoramente. Pelo Anteprojeto, se a floresta for dotada de essências que permitiriam novo corte e houver necessidade de madeiras na região, o Estado poderá declarar reservada a área e proibir que a agricultura seja praticada ali, do mesmo modo como é dado às prefeituras proibir a instalação de indústrias em zona residencial, ou o exercício de certo gênero de comércio em determinados bairros. A floresta, nesse caso, apenas poderá ser utilizada para atividade madeireira e outras que o Decreto possibilitar no local, instituindo-se, pela regeneração natural um novo período de cortes de madeiras.

II - O reflorestamento, além dos limites mínimos impostos pelo Anteprojeto, é medida que depende de recursos financeiros e de exigências de caráter local. Por isto, o Anteprojeto, em vez de fixar percentagens orçamentárias que nunca se cumprem, mesmo as insertas na Constituição Federal, deixou sob a responsabilidade dos Poderes Públicos e sob o imperativo do clamor direto das populações atingidas pela carência, a elaboração de planos com a plasticidade exigível pelas circunstâncias do momento.

d) Da guarda e fiscalização das florestas:

I - O Anteprojeto não manteve a instituição de uma polícia florestal federal, como única autoridade fiscalizadora, porém, não elimina a possibilidade de ser mantida e de vir a ser ampliada. É que, em 28 anos de vigência do Código Florestal, a Polícia nele instituída apenas conseguiu ser eficaz em pequeníssimas áreas, servidas por infatigáveis guardas, com dedicação apostolar. Na maior parte do território pátrio faltou a presença da Polícia Florestal. Preconizam-se novas diretrizes.

II - Não mais se justificará o quadro desolador de antes. Uma autoridade judiciária e o povo passavam por local onde se cometiam crimes contra a floresta, porém nada podiam fazer, pois só os agentes florestais se ocupavam da matéria. E como não existiam agentes, ou, onde existiam agentes, estes eram freqüentemente vítimas de injunções várias, o efeito era a impunidade absoluta. Em vez de uma Polícia Florestal, idéia irrealizável para um país tão grande e de tão limitados recursos financeiros, o Anteprojeto entrega a fiscalização da Lei a todo o povo. Não só os serviços especializados, como a polícia comum, o Ministério Público e os cidadãos em geral assumirão a tarefa de fiscalizar e fazer aplicar a lei de proteção da produtividade do solo e do equilíbrio das águas pluviais. Não se diga que aumentando o número de autoridades com competência para abrir inquéritos, a fiscalização diminuirá. É que os crimes contra a floresta são tão, ou mais graves do que os crimes de direito comum, como o homicídio, o latrocínio, o roubo, o estupro. Embora representem estes crimes lesões enormes ao indivíduo e à sociedade, os que adquirem consciência da importância da floresta para a sobrevivência do gênero humano sabem que, em outro sentido, as infrações às leis naturais da vida vegetal não repercutem menos em prejuízo ao indivíduo e à sociedade. Então deve-se concluir que, difundidos os conceitos dessa verdade científica, a mesma reação social que existe contra o homicídio, o latrocínio, o roubo, o estupro, será a reação que há de vir contra os atentados à Natureza. A lei deve, pois, armar o Ministério Público e a Magistratura de poderes para essa situação futura e que há de tornar-se presente muito breve, praticadas as medidas que o Anteprojeto sugere.

e) Das disposições penais e processuais:

I - O Anteprojeto conserva os crimes de incêndio, de dano, de falsidade e outros previstos no Código Penal, mesmo que tenham por objeto florestas, seus produtos, documentos relacionados com atividade florestal, etc. Configura, porém, diversas contravenções puníveis com a pena de prisão já estabelecida na Lei da Introdução do Código Penal e da Lei das Contravenções Penais. Relativamente às multas, toma por base o valor do salário mínimo mensal e numa escala entre um e cem vezes, para que possam eficientemente atingir, se a autoridade judiciária, assim entender, também os infratores responsáveis por grandes devastações.

II - As penas de prisão estabelecidas não são altas, porque a experiência mostra que, no Brasil, as sanções demasiado severas não se aplicam e tornam-se letra morta. As penas oferecem, somente, uma finalidade educativa e dada a amplitude de limites, elas atribuem à magistratura brasileira responsabilidades redobradas e entregam, principalmente ao Poder Judiciário a tarefa de fazer aplicar a lei florestal, convocando-o juntamente com o Ministério Público e demais autoridades, para esta patriótica e grave incumbência de tornar vivas e eficazes as medidas disciplinadoras de defesa das florestas e dos solos para que haja equilíbrio das águas, nas grandes chuvas e nas secas prolongadas.

III - Como as infrações florestais requerem imediata punição, o processo escolhido foi a das contravenções por jogos de azar, por ser o mais rápido e o mais conhecido do povo.

i) - Disposições estimulativas,-tributárias e educacionais:

I - O Anteprojeto preconiza diversas medidas de isenção tributária, estimuladoras da atividade florestal. O uso da terra na exploração exclusivamente madeireira não oferece os mesmos atrativos econômicos que nas lavouras brancas. Só excepcional espírito público permitiria aos proprietários conservar florestas ou plantá-las, em vez de substituí-las por culturas anuais. É preciso, por conseguinte, proporcionar isenções tributárias e o ideal até seria dar subvenções especiais àqueles. O Anteprojeto compreendeu este problema e tratou de solucioná-lo, dentro da realidade dos modestos recursos públicos do Brasil.

II - A grande arma do Anteprojeto e na qual se colocam todas as esperanças, é, entretanto, a elaboração dos dispositivos que sejam instrumento eficaz para a utilização de todos os meios possíveis na grande tarefa de educação florestal.

Quando cada brasileiro souber o que representa uma floresta, como fator de sua própria sobrevivência e de seu bem estar, poderemos, então, abolir as penalidades, por absolutamente desnecessárias, como já ocorre em outras partes. Para atingir êsse estágio é preciso que desde os livros de leitura das crianças que aprendem a ler, já se principie a ministrar noções florestais. O Rádio e a Televisão como serviços concedidos e o cinema devem obrigatoriamente reservar espaços em seus programas para educação florestal, divulgação da lei, etc. e para conclamar o povo brasileiro para este encargo que se torna de ano para ano, dadas as secas e as enchentes, um problema cada vez mais agudo, não só para a eficiência da agricultura e da pecuária e segurança da sobrevivência das populações que habitam às margens dos rios, como para o próprio abastecimento de água das populações urbanas.

g) Disposições finais:

Embora o Anteprojeto haja preconizado uma grande descentralização, ditada pelas peculiaridades do vasto território nacional, não deixa, todavia, de reconhecer que muitos Estados da Federação não se encontram em condições, pela falta de quadros técnicos, de assumir sozinhos a defesa do patrimônio florestal. Os poderes que, no Anteprojeto, se atribuem aos Estados, para desempenhar as tarefas de abrir exceções à norma geral, não importarão em extinguir as prerrogativas que a Constituição defere à União Federal o que concede, apenas supletivamente, aos Estados.

Por isto, como órgão consultivo e normativo da política florestal do país, ficou mantido o Conselho Florestal Federal que terá de ser, pois, o orientador e o unificador das tendências regionais dentro de uma diretriz nacional recomendada pelo progresso da ciência. Em vez, porém, de ser o Conselho Florestal Federal constituído e disciplinado em lei própria que seria difícil de modificar, nos casos em que a prática demonstrasse o equívoco do legislador, o Anteprojeto defere ao Poder Executivo a atribuição de organizá-lo, tendo em vista as 'circunstâncias ocasionadas. Isto permitirá que o Conselho Florestal Federal seja um órgão com a autoridade indispensável e com a força atuante exigida pelas novas diretrizes que se propõem.

O Anteprojeto que era fruto de resolução unânime do Grupo de Trabalho que o elaborou, tem agora a credencial de representar o pensamento, em suas linhas gerais, dos técnicos e dos serviços especializados de todo o país e das grandes empresas privadas ligadas à silvicultura.

Encaminhando este Anteprojeto ao Congresso Nacional, estou certo que merecerá a devida atenção pelos benefícios que irá trazer ao Povo Brasileiro em geral e sobretudo às gerações vindouras que tanto menos pagarão pelos nossos crimes contra a floresta, quanto melhor cuidarmos desse bem indispensável à vida .

Não poderia encerrar a presente sem pedir que esse Conselho, considere como serviços relevantes os prestados pelos componentes do referido Grupo, constando tal menção, com os agradecimentos do Governo, nas respectivas fés de ofício.

Aproveito a oportunidade para reiterar a Vossa Excelência os meus protestos do mais profundo respeito.

a) ARMANDO MONTEIRO FILHO - Ministro da Agricultura
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(1) O Folheto PROJETO DE LEI FLORESTAL, foi editado na SÉRIE DOCUMENTÁRIA n. 23, publicada pelo Serviço de Informação Agrícola do M. Agricultora. Rio de Janeiro, em 1962

sábado, 4 de agosto de 2012

"Um cético convertido" - Greenpeace


Recentemente o Greenpeace lançou uma campanha para salvar o Ártico do aquecimento global, pedindo à petroleira Shell que não explore óleo no lar dos ursos polares. (© Matti Snellman / Greenpeace)

Chamem-me de um cético convertido”. Dessa forma categórica começa o artigo publicado pelo cientista Richard Muller no último dia 28 no jornal norte-americano The New York Times. Muller é professor de física da Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos Estados Unidos, e conhecido mundialmente por não acreditar que os humanos tivessem qualquer responsabilidade sobre as mudanças climáticas e o aquecimento global. Agora, ele não só mudou de opinião, como foi mais longe: “Os humanos são quase totalmente culpados.”

Em artigo repercutido pelo G1 com foto ilustrativa do Greenpeace, Muller afirmou que, após um esforço de pesquisa intensiva, envolvendo vários outros cientistas, chegou à conclusão, no ano passado, de que o aquecimento global era real e que as estimativas anteriores da taxa de aquecimento estavam corretas.

A mudança total de posição, segundo o professor, é resultado de uma análise cuidadosa e objetiva pelo Projeto Berkeley, que estuda a temperatura da superfície da Terra, fundado com sua filha. Os estudos mostram que a temperatura média da superfície terrestre teve aumento de 2,5°C nos últimos 250 anos, incluindo um aumento de 1,5°C ao longo dos últimos 50 anos. Além disso, parece provável ao cientista que esse aumento seja totalmente resultante da emissão humana de gases do efeito estufa.

Tais resultados são mais impactantes do que os divulgados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês), grupo das Nações Unidas que define o consenso científico e diplomático sobre o aquecimento global. No relatório de 2007, o IPCC concluiu que apenas a maior parte do aquecimento dos 50 últimos anos pode ser atribuída aos seres humanos.

De acordo com Muller, seu projeto utiliza sofisticados métodos estatísticos, que permitiram determinar a temperatura da superfície da Terra muitos anos atrás. Segundo o cientista, o que causou o aumento gradual e sistemático de 2,5°C foi, de longe, o registro de dióxido de carbono na atmosfera, medido a partir de amostras atmosféricas e de ar aprisionadas no gelo polar.

“E quanto ao futuro? Com o aumento das emissões de dióxido de carbono, a temperatura deve continuar a subir. Espero que a taxa de aquecimento prossiga a um ritmo constante, cerca de 1,5°C nos próximos 50 anos. Mas se a China continuar com seu rápido crescimento econômico (em média 10% ao ano ao longo dos últimos 20 anos) e sua ampla utilização do carvão, aí esse mesmo 1,5°C de aquecimento pode vir a ocorrer em menos de 20 anos”, conclui ele.

Muller disse que é dever de um cientista ser devidamente cético, e que ainda crê que há muitas especulações, exageradas e alarmistas, mas que espera que o Projeto Berkeley ajude a resolver o debate científico sobre o aquecimento global e suas causas humanas. Ele lembrou também que depois dos estudos vem a parte difícil: os acordos na esfera política e diplomática sobre o que pode e deve ser feito.


Charge do Toninho

Charge do Toninho

"AQUILO QUE NÃO PODES CONSERVAR NÃO TE PERTENCE"

Excelente frase divulgada na coluna FALANDO SÉRIO de Wellington Ramos do JM. Espero que muitos ruralistas e políticos a tenham lido.