Quando eu era menina, meu pai tinha uma fazenda. Lá pelos lados do Prata, região bonita, verde, cheia de vida, com suas serrinhas e belas propriedades rurais. Para ir até lá, passávamos por Campo Florido e a viagem era longa, no sentir de uma menina. Muita curva na estrada de terra, muita ponte de madeira, pastagens... O sentimento que tenho ao lembrar-me das idas para a fazenda é de algo muito, muito gostoso. Eu adorava chegar naquele lugar, com sua entrada bordejada de palmeiras (acho que eram guarirobas...), dando ao final da estradinha com a antiga e bela casa da sede, da qual guardo com carinho uma foto. Os jardins, o pomar, (que ninguém chamava de pomar, mas sim de quintal), cheio de frutas, a horta, antigos e queridos empregados, que nos mimavam e tinham uma lealdade incompreensível aos dias de hoje. O barulho do gado no curral, cavalos, o carro de bois, a labuta do cotidiano numa fazenda de antigamente... Enfim, saudades. Muitas saudades do lugar, das pessoas, dos cheiros, da natureza generosa e bela que nos cercava. O ciclo natural da vida se cumpria, e sempre se podia contar com “o tempo das goiabas, o tempo das mangas, a época da chuva, a estiagem”, etc. Havia um maior respeito pela natureza. Um, como que maior, temor. As pessoas se vão, os lugares trocam de donos, a vida passa, as coisas mudam. Mas por que pensar e falar nisso, assim, de uma hora para outra? Pelo sentimento que ando tendo ao sair da cidade e observar como estão nossos campos hoje. Nossa zona rural. As fazendas, onde estão? Tenho dificuldade em reconhecer os locais. Sinto-me perdida em estradas e caminhos que me eram tão familiares. Pois onde vou, só vejo cana. Nada mais que cana, cana, cana. As pastagens naturais, as roças, as capoeiras e varjões, as queridas árvores retorcidas do nosso cerrado, elas simplesmente desapareceram. Não consigo entender ou reconhecer mais a paisagem da região onde nasci e onde vivo. Fico literalmente perdida, confusa. Mudaram o lugar ou fui eu quem mudou? Não sei. Só sei que uma das coisas mais chocantes que ando constatando é que fizeram desaparecer também nossa maior riqueza natural, nosso berçário de vida aqui do cerrado, nossa preciosíssima jóia, insubstituível: as lindíssimas veredas de buritis, locais em que havia sempre olhos d’água, minas, nascentes. Justamente quando o mundo inteiro grita pela falta de água, tenta conscientizar as pessoas para que cuidem de suas águas, não desperdicem, aqui tratam de acabar ligeirinho com nossas nascentes. Veredas de buritis. Fontes de vida. Até Guimarães Rosa, nosso ilustre mineiro, as destacou mais de uma vez em seus livros. E alguém se põe a fazê-las desaparecer. Sumir do mapa. Morrer. Mas quem é ou quem são estas pessoas que, com seus enormes tratores, da noite para o dia, conseguem realizar crimes tão brutais? Sim, crimes, contra o meio ambiente, contra a vida de enorme e inestimável número de espécies de plantas e animais que só nas queridas veredas poderiam continuar existindo. Esta gente não pode ser filha daqui, não se cospe no chão de nossos antepassados. Esta gente não pode ter estudado, freqüentado boas escolas, ter tido uma formação moral decente. São bárbaros, invasores que chegam como chegavam os vândalos da idade média, a saquear, destruir e depois ir embora. Esta gente que sai por aí, destruindo tudo o que encontra, na certeza de que lucrarão com a cana virando álcool, para ser vendida aos gringos, só pensando nos lucros, esses criminosos terão, (além de uma enorme decepção quanto aos lucros), de carregar o pesado fardo da culpa, quando, daqui a bem pouco tempo puderem constatar a enormidade do crime que cometeram. E espero que tenham também algum remédio muito bom contra os pesadelos que os assombrarão noite após noite, sem descanso. Pois remédio para a natureza, este, eles, iletrados e idiotas que são, não conseguirão inventar.
Eliana Rodrigues da Cunha Miranzi é mãe, avó, professora e participante dos passeios “O tatu vai a pé”.
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